quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Eu vi o horror e vos acuso! Por Andrea Zhouri. Licença de Operação para mineração em Conceição do Mato Dentro é horror, é injustiça!

Eu vi o horror e vos acuso!
Por Andrea Zhouri.

É meu dever: não quero ser cúmplice. Todas as noites eu veria o espectro do inocente que expia cruelmente torturado, um crime que não cometeu.
Por isso me dirijo a vós gritando a verdade com toda a força da minha rebelião de homem honrado.
Estou convencido de que ignorais o que ocorre. Mas a quem denunciar as infâmias desta turba de malfeitores, de verdadeiros culpados, senão ao primeiro magistrado do país?!
(...) Antes de tudo, a verdade sobre o processo e a condenação de Dreyfus. (...)
(Emile Zola, Eu acuso. O Processo do Capitão Dreyfus, 1898)
Eu vi o horror. E não foi no século 19, nas trevas do Congo de Joseph Conrad ou na Amazônia selvagem de Roger Casement. Eu vi o horror em pleno século 21, no dia 29 de setembro de 2014, a uma semana das eleições, em um ginásio poliesportivo em Diamantina, Minas Gerais, Brasil.
Num ritual macabro de tortura psicológica e emocional que durou aproximadamente 11 horas, a Unidade Colegiada do Conselho de Política Ambiental de Minas Gerais, a URC-Jequitinhonha, performou um simulacro de democracia para conceder a Licença de Operação para a criminosa empresa mineradora da África do Sul, a Angloamerican.
Funcionários técnicos da empresa levaram trabalhadores uniformizados que, constantemente atiçados pelos mesmos, xingavam seus parentes comunitários, lavradores idosos, homens e mulheres que há muito lutam por seus direitos sistematicamente violados pela empresa com a conivência do governo do estado de Minas Gerais: direito à terra e à água, direito de serem vistos e ouvidos como cidadãos da nação brasileira. Eu vi uma empresa sem compostura, sem dignidade, cruel, covarde e cínica. Eu vi governantes mineiros exatamente da mesma forma. Eu vi conselheiros imorais, subservientes, fantoches. Eu vi técnicos incompetentes e irresponsáveis.
O povo sentado nas arquibancadas, longe da mesa decisória, longe dos olhos dos conselheiros, cercados de policiais fortemente armados que guardavam somente um dos lados da arquibancada, aquele onde estava o povo sofrido, “massacrado”, em suas próprias palavras, pelo projeto Minas-Rio.
Eu vi o coronelismo ainda vivo, a herança latifundiária que massacrou índios e escravos no Brasil colônia e continua a fazê-lo até os dias de hoje, sob o pretexto de representarem a modernidade e o desenvolvimento de Minas Gerais. Lavradores e lavradoras, a maioria composta por afro-descendentes, foram chamados de oportunistas e gente de má-fé. Conselheiros, dentre os poucos que se pronunciaram, anunciaram explicitamente que “não precisavam fazer o correto. Eu vi o desmanche das instituições construídas arduamente pela sociedade brasileira. Eu vi o mandonismo, a confiança na impunidade.
Eu vi a alegria sádica dos funcionários técnicos da Angloamerican, que, como num rinque de box, riam e jogavam palavras de escárnio na cara de homens e mulheres idosas do campo brasileiro que passam por um sofrimento social incalculável. Eu vi como os pobres, negros e rurais são pisados e humilhados. Mas eu vi esse mesmo povo lutar bravamente, gritar por seus direitos, dizer a verdade na cara do poder. Eu vi a união e a força daqueles que nunca desistem.
Por isso eu acuso.
A insensibilidade e a crueldade da gente branca, rica, letrada e desenvolvida, responsável pelo atraso brasileiro.
Gestores públicos sem honra, sem compostura, sem compromisso, sem responsabilidade.
Por isso eu vos acuso! Aécio Neves, Alberto Pinto Coelho e todo o governo de Minas Gerais.
Eu acuso Alceu Torres, Danilo Vieira, Rodrigo (técnico da SUPRAM-Jequitinhonha) de cinismo, incompetência, imoralidade na condução da sessão de tortura moral que foi a reunião da URC Jequitinhonha no dia 29 de setembro.
Eu acuso os conselheiros da URC-Jequitinhonha que votaram a favor desta licença criminosa na pessoa de Andreza Lemos Meira, representante de instituição científica e de pesquisa, de produção de conhecimento e notório saber. Em 11 horas de reunião, após ouvir denúncias seriíssimas, pronunciamentos de três professores doutores de uma universidade federal, pronunciamentos de alunos que fazem pesquisas na área do projeto, a conselheira sequer fez uma única pergunta. Atitude incompatível a qualquer cientista ou pesquisador. Acuso-a de ocupar indevidamente uma cadeira do COPAM na condição de pesquisadora, cientista ou pessoa de notório saber. No seu lattes consta apenas graduação em direito obtida ainda em ano recente (2010).
Eu acuso a URC Jequitinhonha e a Angloamerican da promoção consciente e planejada do sofrimento social, da inauguração de nova modalidade de sofrimento, o sofrimento científico, e do crime de racismo ambiental.
Andréa Zhouri[1], cidadã brasileira.





[1] Profa. Dra. do Departamento de Antropologia e Arqueologia/FAFICH-UFMG
Coordenadora do GESTA-UFMG, azhouri@gmail.com ,Tel. 55-31-3409 6301

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