Eu vi o horror e vos
acuso!
Por Andrea Zhouri.
É meu dever: não quero ser cúmplice. Todas as
noites eu veria o espectro do inocente que expia cruelmente torturado, um crime
que não cometeu.
Por isso me dirijo a vós gritando a verdade
com toda a força da minha rebelião de homem honrado.
Estou convencido de que ignorais o que
ocorre. Mas a quem denunciar as infâmias desta turba de malfeitores, de
verdadeiros culpados, senão ao primeiro magistrado do país?!
(...) Antes de tudo, a verdade sobre o
processo e a condenação de Dreyfus. (...)
(Emile Zola, Eu acuso. O Processo do Capitão
Dreyfus, 1898)
Eu vi o horror. E não
foi no século 19, nas trevas do Congo de Joseph Conrad ou na Amazônia selvagem
de Roger Casement. Eu vi o horror em pleno século 21, no dia 29 de setembro de
2014, a uma semana das eleições, em um ginásio poliesportivo em Diamantina,
Minas Gerais, Brasil.
Num ritual macabro de
tortura psicológica e emocional que durou aproximadamente 11 horas, a Unidade
Colegiada do Conselho de Política Ambiental de Minas Gerais, a
URC-Jequitinhonha, performou um simulacro de democracia para conceder a Licença
de Operação para a criminosa empresa mineradora da África do Sul, a
Angloamerican.
Funcionários técnicos
da empresa levaram trabalhadores uniformizados que, constantemente atiçados
pelos mesmos, xingavam seus parentes comunitários, lavradores idosos, homens e
mulheres que há muito lutam por seus direitos sistematicamente violados pela
empresa com a conivência do governo do estado de Minas Gerais: direito à terra
e à água, direito de serem vistos e ouvidos como cidadãos da nação brasileira.
Eu vi uma empresa sem compostura, sem dignidade, cruel, covarde e cínica. Eu vi
governantes mineiros exatamente da mesma forma. Eu vi conselheiros imorais,
subservientes, fantoches. Eu vi técnicos incompetentes e irresponsáveis.
O povo sentado nas
arquibancadas, longe da mesa decisória, longe dos olhos dos conselheiros,
cercados de policiais fortemente armados que guardavam somente um dos lados da
arquibancada, aquele onde estava o povo sofrido, “massacrado”, em suas próprias
palavras, pelo projeto Minas-Rio.
Eu vi o coronelismo
ainda vivo, a herança latifundiária que massacrou índios e escravos no Brasil
colônia e continua a fazê-lo até os dias de hoje, sob o pretexto de
representarem a modernidade e o desenvolvimento de Minas Gerais. Lavradores e
lavradoras, a maioria composta por afro-descendentes, foram chamados de
oportunistas e gente de má-fé. Conselheiros, dentre os poucos que se
pronunciaram, anunciaram explicitamente que “não precisavam fazer o correto.
Eu vi o desmanche das instituições construídas arduamente pela sociedade
brasileira. Eu vi o mandonismo, a confiança na impunidade.
Eu vi a alegria
sádica dos funcionários técnicos da Angloamerican, que, como num rinque de box,
riam e jogavam palavras de escárnio na cara de homens e mulheres idosas do
campo brasileiro que passam por um sofrimento social incalculável. Eu vi como
os pobres, negros e rurais são pisados e humilhados. Mas eu vi esse mesmo povo
lutar bravamente, gritar por seus direitos, dizer a verdade na cara do poder.
Eu vi a união e a força daqueles que nunca desistem.
Por isso eu acuso.
A insensibilidade e a
crueldade da gente branca, rica, letrada e desenvolvida, responsável pelo
atraso brasileiro.
Gestores públicos sem
honra, sem compostura, sem compromisso, sem responsabilidade.
Por isso eu vos
acuso! Aécio Neves, Alberto Pinto Coelho e todo o governo de Minas Gerais.
Eu acuso Alceu
Torres, Danilo Vieira, Rodrigo (técnico da SUPRAM-Jequitinhonha) de cinismo,
incompetência, imoralidade na condução da sessão de tortura moral que foi a
reunião da URC Jequitinhonha no dia 29 de setembro.
Eu acuso os
conselheiros da URC-Jequitinhonha que votaram a favor desta licença criminosa
na pessoa de Andreza Lemos Meira, representante de instituição científica e de
pesquisa, de produção de conhecimento e notório saber. Em 11 horas de reunião,
após ouvir denúncias seriíssimas, pronunciamentos de três professores doutores
de uma universidade federal, pronunciamentos de alunos que fazem pesquisas na
área do projeto, a conselheira sequer fez uma única pergunta. Atitude
incompatível a qualquer cientista ou pesquisador. Acuso-a de ocupar
indevidamente uma cadeira do COPAM na condição de pesquisadora, cientista ou
pessoa de notório saber. No seu lattes consta apenas graduação em direito
obtida ainda em ano recente (2010).
Eu acuso a URC
Jequitinhonha e a Angloamerican da promoção consciente e planejada do
sofrimento social, da inauguração de nova modalidade de sofrimento, o
sofrimento científico, e do crime de racismo ambiental.
Andréa
Zhouri[1],
cidadã brasileira.
[1] Profa. Dra. do Departamento de Antropologia e
Arqueologia/FAFICH-UFMG
Coordenadora do GESTA-UFMG, azhouri@gmail.com
,Tel. 55-31-3409 6301
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