terça-feira, 23 de novembro de 2021

Frei Cláudio van Balen, profeta Oseias no nosso meio. Por Frei Gilvander

 Frei Cláudio van Balen, profeta Oseias no nosso meio. Por Frei Gilvander Moreira[1]

Profundamente comovido com a passagem – Páscoa! - do nosso querido Frei Claudio Van Balen, da Igreja do Carmo, no Carmo Sion, em Belo Horizonte, MG, para a vida em plenitude, aos 88 anos, dia 20 de novembro de 2021, Dia da Consciência Negra, venho prestar a ele um humilde tributo.

Frei Cláudio van Balen nasceu em 26 de setembro de 1933, na cidade de  Wytgaard, na Holanda. Ele trabalhava no Brasil desde 1950. Em 1990, ganhou o título de Cidadão Honorário de Belo Horizonte e, em 1997, o Personalidade do Ano, também na capital mineira. No início dos 17 anos, Frei Cláudio chegou ao Brasil, em 1950. Tornou-se frei e padre carmelita, na Província Carmelitana de Santo Elias. Estudava em Roma durante o Concílio Vaticano II (de 1962 a 1966) e, por isso, bebeu nas águas que propunham igreja como povo de Deus, inculturação, sacerdócio como serviço ao povo, valorização dos leigos e leigas, diálogo (macro)ecumênico, Opção pelos Pobres, igreja missionária e transformadora. Com essa formação, Frei Cláudio chegou em Belo Horizonte, na Igreja do Carmo, no Carmo Sion, em 1967.

Junto com outros freis carmelitas, Frei Cláudio iniciou ainda na década de 1970 um substancial trabalho pastoral de promoção humana na Igreja do Carmo, por meio de Ambulatório médico, uns 20 anos antes da criação do SUS[2]. Escola profissional com mais de dez cursos profissionalizantes, creches, projeto Pró-Morar que ajudou dezenas de famílias empobrecidas a construir suas próprias casas e a conquistar dignidade humana. Frei Cláudio tinha uma profunda formação teológica e nas áreas das Ciências Humanas. Era um ardoroso defensor do Deus da vida. Ele ficava indignado diante de qualquer tipo de idolatria, seja econômica, política ou religiosa. Ele desmascarava as posturas dualistas, moralistas e fundamentalistas que, na prática, tentavam privatizar Deus e o transformar em um quebra-galho para problemas pessoais. Frei Cláudio era uma espécie de profeta Oseias do nosso tempo, pois repudiava com veemência o clericalismo, a domesticação de Deus e era um crítico ferrenho da opressão do poder religioso.

Frei Cláudio combateu o bom combate e fortaleceu muitos na fé cristã e na luta pela libertação integral. Que o Deus da vida, mistério de infinito amor, console todos/as que sentem já sua falta física. Em memória de frei Cláudio, sigamos caminhando e lutando pela humanização das pessoas e construção do reino de Deus a partir do aqui e do agora. Frei Cláudio, sempre firme e fiel no seguimento de Jesus de Nazaré, apontou e orientou um caminhar de fé maduro e livre de crendices.

Pelo frei Cláudio van Balen nutro uma eterna gratidão e o considero um dos meus mestres. Antes de ir para Roma fazer mestrado em Ciências Bíblicas, eu tinha trabalhado na assessoria do CEBI[3], CPT[4], CEBs[5] e acompanhado a luta do MST[6] de Minas, por três anos, até 1996. Por isso, eu sentia que devia continuar a missão em Minas Gerais. Perguntei ao frei Cláudio se eu poderia fazer parte da Comunidade do Carmo, após voltar de Roma. Ele, prontamente, disse que sim. Fui vigário na Igreja do Carmo por 7,5 anos, auxiliando frei Cláudio na condução de uma evangelização emancipatória na comunidade do Carmo, ao mesmo tempo em que assessorava as CEBs, CPT, CEBI e o MST em Minas Gerais. Isso implicava que eu tinha que viajar muito e ficar boa parte do meu tempo fora da Igreja do Carmo. Frei Cláudio sempre se mostrou compreensivo diante de minhas “ausências”. Aliás, sempre me apoiou e sempre me incentivou a continuar apoiando a luta dos pobres que buscam seus direitos de forma organizada. Inclusive me disse algumas vezes: “Se eu tivesse a sua idade – 30 anos mais jovem -, eu estaria como você colocando fogo no mundo”.

Frei Cláudio tem uma história de compromisso com a luta pelos direitos humanos durante a ditadura militar-civil-empresarial de 1964 a 1985, pois, junto com outros frades, colocou a Igreja do Carmo como uma trincheira que oxigenava a luta pela superação da ditadura. Por isso, teve que responder Inquérito militar. Com essa história, frei Cláudio sempre compreendeu minha luta ao lado dos movimentos sociais populares, pois sabia que hoje uma ditadura econômica paira sobre a maioria do povo. Com frei Cláudio, os momentos de almoço, de reuniões, de palestras, de correção de textos e conversas informais eram sempre momentos de formação teológica na linha libertadora. Eu sempre pedia ao frei Cláudio e ao saudoso Eliseu Lopes – grande biblista do CEBI – para revisarem os meus textos. Com alegria, eu acatava quase todas as sugestões de melhorias nos meus textos. E frei Cláudio humildemente sempre pedia que eu corrigisse os textos dele e aceitava quando eu sugeria mudar algumas palavrinhas, em uma troca mútua de conhecimentos e experiências. Durante 10 anos eu celebrei a missa na Comunidade da Vila Acaba Mundo, comunidade da Igreja do Carmo, aos domingos, às 9h da manhã. Eu voltava correndo e fazia questão de chegar a tempo de assistir à homilia do frei Cláudio na missa das 11h. Quanto aprendizado! Frei Cláudio, assim como o profeta Oseias, nos estimulava sempre a fazer autocrítica e não nos acomodar no jeito de pensar e agir tradicional.

 Frei Cláudio era um exímio crítico do poder religioso. Hoje, na sociedade capitalista – individualista, consumista e mercantilizadora de tudo – para as igrejas e pessoas religiosas criticarem os podres da política e da economia é menos difícil, mas criticar o poder religioso e os funcionários do templo é muito complicado, é mexer em um vespeiro. Mas frei Cláudio, destemidamente, ajudava-nos a desmascarar as opressões veladas, sutis e, muitas vezes, disfarçadas de propostas religiosas que aparentemente se dizem humanizadoras, mas são na prática moralistas, doutrinadoras, proselitistas e domesticadoras, infantilizando pessoas. Por isso, vejo muitas semelhanças entre frei Cláudio e Oseias, o profeta das relações de amor e da anti-idolatria religiosa. Em ambos vejo uma profecia que vai do miúdo da vida para o macro, do cotidiano para as questões globais, mas revelando a interdependência e o entrelaçamento das várias dimensões da vida humana e social. O profeta Oseias e frei Cláudio denunciaram o poder opressor localizado nas grandes instituições, mas também desvendam a microfísica do poder: todas as relações interpessoais (sociais etc) são permeadas de relações de poder. O poder não está localizado somente nas grandes instituições, mas está presente nas microrrelações. Estão permeadas de poder as relações homem-mulher, adulto-criança, professora-estudante, governante-governados, branco-negro, sadio-doente...

Com frei Cláudio aprendi muitas perspectivas teológicas que inspiram minha atuação ao lado dos pobres na luta pelos seus sagrados direitos. Aprendi, por exemplo, que nenhum dualismo é cristão e evangélico. O divino está no humano. A luz e a força divina permeiam e perpassam todos e tudo. O profano é o que existe de mais sagrado. Muitas orações transferem para Deus responsabilidades que são nossas. Que a Eucaristia não é prêmio para os puros, mas é alimento espiritual para todos/as e que ninguém tem o direito de excluir ninguém da Eucaristia. A primeira Eucaristia foi um jantar e certamente Jesus de Nazaré não excluiu nenhum dos que estavam na caminhada. Jesus veio para todos a partir dos pecadores e dos doentes. Logo, todos/as devem se sentir convidados/as de honra para participar da mesa da Eucaristia. É terrorismo religioso excluir alguém da Eucaristia por questões morais, por ser divorciado/a, desquitado/a, homossexual etc.

Ao lado de Frei Cláudio, eu experimentei o desafio que é aliar lutas por solidariedade, por promoção humana, com lutas por justiça. Eis um desafio apaixonante: unir as perspectivas do profeta Oseias, o que frei Cláudio fazia com muita destreza e sabedoria, com a perspectiva do profeta Amós: luta por justiça social, o que eu tento fazer caminhando ao lado dos pobres que lutam de forma organizada por terra, moradia digna, direitos sociais etc. Assim, saí da Igreja do Carmo, mas sendo sempre grato ao frei Cláudio e o reconhecendo como um dos meus mestres, bem como, diga-se de passagem, também sou grato a muitas pessoas da Comunidade da Igreja do Carmo.

Frei Cláudio, querido irmão de caminhada e de luta, gratidão por ter me acolhido na Igreja do Carmo, em BH, e por termos morado juntos durante dez anos e compartilhado a missão de seguir Jesus Cristo testemunhando seu Evangelho, com Opção pelos Pobres, juntos. Aprendi a admirá-lo e a respeitá-lo muito. Aprendi muito com você, querido irmão Cláudio. Perdemos apenas sua presença física. Você, Frei Cláudio van Balen, nos deixou um legado imenso. Cuidaremos do seu legado. Frei Cláudio van Balen, obrigado por tudo o que você me ensinou e tem ensinado a tanta gente. Gratidão eterna a você, Frei Cláudio, agora partilhando vida plena e-terna. Você, Frei Cláudio, continuará sempre vivo em nós, na luta por tudo o que é justo e ético.  

23/11/2021

Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.

1 – Frei Cláudio Van Balen é entrevistado por Jô Soares em 02/4/2014

https://globoplay.globo.com/v/3257021/

2 – Palavra Ética, na TVC/BH, c/ Frei Cláudio van Balen: Deus, Páscoa e Religião. 12/04/14

3 – Palavra Ética na TVC/BH com frei Cláudio van Balen: Igreja Povo de Deus. 14/02/14

4 – Palavra Ética com frei Cláudio van Balen – Reflexão sobre o sentido do Natal – 23/12/2011

5 – INTERCONEXÃO BRASIL – Papa Francisco e a renovação da Igreja

6 – Palavra Ética -Frei Gilvander e Frei Cláudio van Balen | O Verdadeiro Sentido do Natal

7 – Religare – Conhecimento e Religião sobre Quaresma e Semana Santa



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III

 

[2] Sistema Único de Saúde.

[3] Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos – www.cebimg.org.br

[4] Comissão Pastoral da Terra – www.cptmg.org.br

[5] Comunidades Eclesiais de Base – www.cebsdeminas.com.br

[6] Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – www.mst.org.br

quarta-feira, 17 de novembro de 2021

Latifúndio: arma mortífera de exploração? Por Frei Gilvander

 Latifúndio: arma mortífera de exploração? Por Frei Gilvander Moreira[1]

A reflexão estimula o sem-terra, o sem-teto, o atingido pela mineração devastadora, o negro, a pessoa vítima da homofobia e todas as pessoas exploradas e/ou discriminadas a descobrir-se como oprimido, superexpropriado pelo capital nas suas relações sociais no campo e na cidade, mas também como ser com potencial para ser mais. No entanto, a reflexão precisar ser feita em sintonia com o processo existencial de opressão vivenciado pelos sem-terra, pelos sem-teto e todos os outros oprimidos e explorados. Mais do que “convivência” com o regime opressor, trata-se se subserviência, de servidão consentida e assimilada. O pedagogo Paulo Freire reconhece que não basta a reflexão, mas é necessário ação; alerta, porém, que seja ação e reflexão, isto é, práxis, que não é apenas ação, mas atuação dentro das condições materiais objetivas, pensada a partir das contradições de classe e de todas as outras facetas de opressão que se abatem sobre os sem-terra, os sem-teto e sobre toda a classe camponesa e a classe trabalhadora. “Ação e reflexão, como unidade que não deve ser dicotomizada. [...] Ação junto aos oprimidos tem de ser, no fundo, “ação cultural” para a liberdade, por isto mesmo, ação com eles” (FREIRE, 2005, p. 60), jamais sobrepara ou por eles.

Há, sim, na luta pela terra e pela moradia um potencial emancipatório da condição de camponês oprimido e da pessoa violentada na sua dignidade na cidade no esforço de se libertar e, assim, transformar as circunstâncias sociais das condições materiais, engajando-se na luta por emancipação não só sua, mas de toda a classe trabalhadora e do campesinato. Nesse sentido afirma Paulo Freire: “Quem melhor que os oprimidos se encontrará preparado para entender o significado terrível de uma sociedade opressora? Quem sentirá melhor que eles os efeitos da opressão? Quem, mais que eles, para ir compreendendo a necessidade da libertação? Libertação a que não chegarão pelo acaso, mas pela práxis de sua busca; pelo conhecimento e reconhecimento da necessidade de lutar por ela. Luta que, pela finalidade que lhe derem os oprimidos, será um ato de amor, com o qual se oporão ao desamor contido na violência dos opressores, até mesmo quando esta se revista da falsa generosidade” (FREIRE, 2005, p. 34).

Parodiando Paulo Freire: Quem compreenderá a crueldade terrível do latifúndio, da propriedade privada capitalista da terra e do capital no campo melhor do que os sem-terra que adquirem coragem e se engajam na luta pela terra? Quem sentirá no próprio corpo melhor que os sem-terra a superexpropriação a que são submetidos? A luta pela terra desperta nos Sem Terra a necessidade e a coragem de lutar de forma coletiva. Luta que não é revanche e nem vingança, mas justiça, ato de amor aos latifundiários, pois retira das mãos deles uma arma mortífera da exploração: o latifúndio. E, na luta pela terra, os Sem Terra, ao transformar a estrutura fundiária em uma estrutura social com equidade, podem ancorar lutas não apenas por emancipação política, mas emancipação humana. A luta pela terra desmascara até a falsa generosidade de pessoas ligadas à estrutura do capital.

A luta pela terra em busca de emancipação implica fazer história, mas para fazer história os homens e as mulheres têm de estar em condições de viver: satisfazer suas necessidades e se reproduzir. É o que Marx e Engels explicam: “Para viver, precisa-se, antes de tudo, de comida, bebida, moradia, vestimenta e algumas coisas mais. O primeiro ato histórico é, pois, a produção dos meios para a satisfação dessas necessidades, a produção da própria vida material, e este é, sem dúvida, um ato histórico, uma condição fundamental de toda a história, que ainda hoje, assim como há milênios, tem de ser cumprida diariamente, a cada hora, simplesmente para manter as pessoas vivas” (MARX; ENGELS, 2007, p. 33).

 

Pelo trabalho, o ser humano – homem e mulher – produz os meios de vida própria e, no modo de produção capitalista, produz principalmente para o alheio. O ser humano produz muitas mercadorias, no entanto, não produz a terra. Por isso, a terra, embora esteja associada ao modo de produção capitalista, não é capital, pois não é fruto do trabalho humano. “Assim, a terra não gera lucro, como o faz o capital, mas sim renda” (OLIVEIRA, 2007, p. 63). Relações natural e social estão presentes na produção e reprodução da vida desde a ação de procriar. “A produção da vida, tanto da própria, no trabalho, quanto da alheia, na procriação, aparece desde já como uma relação dupla – de um lado, como relação natural, de outro como relação social -, social no sentido de que por ela se entende a cooperação de vários indivíduos, sejam quais forem as condições, o modo e a finalidade” (MARX; ENGELS, 2007, p. 34).

Um determinado modo de produção ou certo tipo de crescimento industrial, com suas respectivas forças produtivas, condiciona as relações sociais que se estabelecem entre as pessoas na sociedade. “Segue-se daí que um determinado modo de produção ou uma determinada fase industrial estão sempre ligados a um determinado modo de cooperação ou a uma determinada fase social – modo de cooperação que é, ele próprio, uma “força produtiva” -, que a soma das forças produtivas acessíveis ao homem condiciona o estado social e que, portanto, a “história da humanidade” deve ser estudada e elaborada sempre em conexão com a história da indústria e das trocas” (MARX; ENGELS, 2007, p. 34).

Somente após produzir em relações históricas o atendimento às suas necessidades básicas – alimentação, moradia, vestuário etc. -, o ser humano aparece como tendo consciência, mas, desde o início, não é consciência pura, pois está sempre condicionada pela matéria, por relações materiais. A linguagem nasce da necessidade de relação social e expressa a consciência, produto social forjado nas condições históricas objetivas. Enfim, pelo analisado acima, o latifúndio é, de fato, arma mortífera de exploração, porque aprisiona a terra em propriedade privada capitalista e, assim, cria as condições materiais objetivas para a reprodução da brutal injustiça social e desigualdade reinante no nosso país.

17/11/2021

Referências

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 47.ª edição. Rio de Janeiro: Edições Paz e Terra, 2005.

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã: crítica da mais recente Filosofia alemã em seus representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão em seus diferentes profetas (1845-1846). São Paulo: Boitempo Editorial, 2007.

OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. Modo de Produção Capitalista, Agricultura e Reforma AgráriaSão Paulo: Labur Edições, 2007. Disponível em http://www.geografia.fflch.usp.br/graduacao/apoio/Apoio/Apoio_Valeria/Pdf/Livro_ari.pdf

 

Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.

1 - CPT-MG 40 anos - Madalena: "Nossa luta é contra o latifúndio, arma mortífera" - Vídeo 5 - 07/3/2018

2 - Ameaçado por lutar contra o latifúndio, DIM CABRAL, da Cooerco.SD, Uberlândia/MG. Justiça! 24/5/18

3 - Violência do latifúndio cresce no norte de MG/Audiência Pública/ALMG/Toninho do MST. 25/4/2018

4 - Latifundiários perseguem agentes da CPT no Baixo Jequitinhonha, mas povo Sem Terra repudia. 10/06/16

5 - Marco temporal: terra para os Povos Indígenas ou para o agronegócio devastador? Por Frei Gilvander

6 - Você sabe de onde vem a sua comida? O agronegócio envenena a comida do povo. Episódio 1 – Greenpeace

7 - "Libertar do agronegócio" (Jefferson/Sindieletro). Acampamentos do MST/Campo do Meio/MG. Vídeo 7




[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III 

quinta-feira, 11 de novembro de 2021

Paulo Freire na luta pela terra. Por Frei Gilvander

 Paulo Freire na luta pela terra. Por Frei Gilvander Moreira[1]


Secularmente, a terra vem sendo aprisionada pelas forças e estruturas do capital que, em um processo avassalador, avança de forma ilimitada sobre o Campo e a Cidade. Karl Marx, Boaventura Sousa, Istvan Mèszáros e tantos outros teóricos da filosofia e da sociologia críticas nos ajudam a elucidar a opressão de classe que impõe de forma avassaladora a redução da terra a mercadoria, a partir da propriedade privada capitalista da terra. Entretanto, a luta pela terra pode ser uma força mobilizadora de grande intensidade na luta dos Movimentos Sociais territoriais. Educação do/no/a partir de Campo, considerando o saber camponês, ajuda no processo de reconhecimento das diferenças, o que gera identidades libertadoras e desperta paixão e compromisso com lutas de afirmação no/pelo território. Isso acontece nos Movimentos Populares do Campo. Conforme formulação de Paulo Freire, na obra Pedagogia do Oprimido (2005), os excluídos e oprimidos são submetidos à ‘invasão cultural’, ao ‘silenciamento de sua palavra’ e à constante desumanização. A Pedagogia do Oprimido, que não pode ser teorizada e praticada pelos opressores, é instrumento para a transformação e emancipação na direção de “ser mais” (FREIRE, 2005, p. 86). Para Freire, portanto, é necessário que aqueles envolvidos com as lutas populares demonstrem o real conceito de educação popular como algo realizado pelo povo sofrido como uma ‘ação educadora emancipatória’, como prática da liberdade, em linguagem freiriana. A ‘ação educadora emancipatória’ é um dos conceitos que sustenta teoricamente nossa perspectiva que busca reconhecer a existência de pedagogia de emancipação humana na luta pela terra.

Assim como na pedagogia popular de Paulo Freire não se refere a analfabeto, mas a alfabetizando, na luta pela terra, quem dela participa deixa se ser sem-terra, um mero injustiçado e explorado, e passa a ser Sem Terra, isto é, sujeito protagonista de uma história de emancipação. No Campo e na Cidade, a luta pela terra e a educação emancipatória são inseparáveis. Toda luta pela terra deve ser efetivada de forma que leve à emancipação humana, social, política, econômica, cultural, ecológica e religiosa. A própria luta pela terra pode ser uma pedagogia de emancipação humana que acontece no desenrolar de si mesma. Muitas vezes, se ingressa na luta pela terra por necessidade – “por nicissidade”, como muitos Sem Terra e Sem Teto dizem – e por não tolerar mais a exploração capitalista realizada no latifúndio pelo latifundiário ou na cidade sob regime da especulação imobiliária. A contradição da exploração inocula o gérmen da indignação e da rebelião para subverter a ordem estabelecida opressora. O primeiro objetivo de quem se engaja na luta pela terra, muitas vezes, é conseguir um pedacinho de terra para produzir o necessário para viver em paz e/ou uma moradia adequada, mas com o desenrolar da luta, a consciência vai se transformando no calor das lutas concretas. A luta educa e quem luta educa e é educado também!

Não é revolucionário lutar pela terra e ao mesmo tempo considerar o ‘agronegocinho’ como objetivo a ser conquistado, pois seria recair nas contradições do economicismo. O critério principal na hora de discernir o que produzir na terra conquistada não deve ser o que é mais rentável, mas o que – e como – viabiliza vida para o campesinato, para toda a sociedade e o que garante condições objetivas de vida para as futuras gerações.

A luta pela terra está viabilizando apenas o progresso das famílias assentadas ou está sendo alavanca de transformação social tomando-se por base a classe trabalhadora camponesa? A emancipação humana, social e política passa pela produção do ser humano como sujeito que exercita-se em liberdade e possui força e luz própria capaz de viver, conviver, agir, se produzir, enfim, de forma autônoma como sujeito. Nesse sentido, Paulo Freire afirma no prefácio da Pedagogia do Oprimido: “Reproduz, em seu plano próprio, a estrutura dinâmica e o movimento dialético do processo histórico de produção do homem. Para o homem, produzir-se é conquistar-se, conquistar sua forma humana. A pedagogia é antropologia” (FREIRE, 2005, p. 13). Pelo seu objetivo primordial que era alfabetizar gerando consciência crítica e emancipatória, Freire enfatiza a reflexão, a discussão e a problematização da realidade vivenciada pelas pessoas oprimidas. Dialogando com Freire, à luz do materialismo histórico-dialético, entendemos que a produção do ser humano para que conquiste sua forma humana – deixando de ser alienado e superexplorado - exige a pedagogia do oprimido, mas a supera exigindo luta coletiva dos sem-terra, e Sem Terra, e de toda a classe trabalhadora, e do campesinato, pois a ‘conscientização’ pode animar o engajamento na luta, mas o que pode garantir conquistas emancipatórias é a luta coletiva pela terra, pela moradia e por todos os direitos sociais, pois esta luta travada problematiza a realidade opressora vivenciada pelos camponeses sem-terra, pelos sem-teto e pelos explorados pelo sistema do capital e faz parir ideias e práticas emancipatórias. Freire diz que “ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão” (FREIRE, 2005, p. 58). Parodiando Freire podemos dizer que nenhum/a camponês/a emancipa outra/o camponês/a, nenhum/a camponês/a se emancipa sozinho: as/os camponesas/camponeses oprimidas/oprimidos se emancipam em comunhão, na luta coletiva. O mesmo podemos dizer dos sem-teto, dos negros em situação análoga à de escravidão, das mulheres violentados pelo machismo e pelo patriarcalismo, das pessoas com orientação homoafetiva, dos/as atingidos/as pelos megaprojetos de mineração etc.

Paulo Freire afirma: “Somente quando os oprimidos descobrem, nitidamente, o opressor, e se engajam na luta organizada por sua libertação, começam a crer em si mesmos, superando, assim, sua “convivência” com o regime opressor. Se esta descoberta não pode ser feita em nível puramente intelectual, mas da ação, o que nos parece fundamental é que esta não se cinja a mero ativismo, mas esteja associada a sério empenho de reflexão, para que seja práxis” (FREIRE, 2005, p. 58-59). Portanto, reflexão e ação, consciência crítica, consciência de classe, luta coletiva, eis a pedagogia de emancipação humana por meio da luta pela terra, dom de Deus e direito de quem nela trabalha e produz para saciar a fome, com responsabilidade social, nutricional, ambiental e geracional.

11/11/2021

Referências

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 47.ª edição. Rio de Janeiro: Edições Paz e Terra, 2005.

Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.

1 - Fora, Rodoanel do “Cemitério dos Escravos”, em Fechos, Pinhões, Santa Luzia, MG! - Vídeo 1 -02/11/21

2 - "Cemitério dos Escravizados, em Santa Luzia/MG, SIM! Rodoanel na RMBH, NÃO!" (Alenice Baeta) Vídeo 2

3 - Missa Afro contra Rodoanel na RMBH, no “Cemitério dos Escravizados”, Santa Luzia, MG–Vídeo 3–2/11/21

4 - Contra Rodoanel na RMBH Missa Afro e Abraço no Cemitério dos escravizados em Santa Luzia/MG -Vídeo 4

5 - Vem aí VALE DE REJEITOS, um Filme de Richardson Pontone. Vale S/A em Itabira. Imperdível! Veja clip

6 - Frei Carlos Mesters, Paulo Freire da Bíblia - Por frei Gilvander - 1º/11/2021

7 - Mineradora Vale S/A insiste em obter Licenciamento para devastar a Serra da Gandarela tb. Por Teca



 

 

 



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III 

quinta-feira, 4 de novembro de 2021

Missa Afro e Abraço denunciam devastação do Rodoanel, o “Rodominério”, em Santa Luzia, no Cemitério dos Escravizados, na região de Pinhões, Vale do Rio das Velhas, MG

 Missa Afro e Abraço denunciam devastação do Rodoanel, o “Rodominério”, em Santa Luzia, no Cemitério dos Escravizados, na região de Pinhões, Vale do Rio das Velhas, MG. Por Glaucon Durães[1], Alenice Baeta[2]Gilvander Moreira[3] e Henrique Lazarotti[4]

Fotos: Alenice Baeta


Aconteceu no dia 02 de novembro de 2021, no Dia de Finados, das 16h às 19h, a tradicional Missa Afro no “Cemitério dos Escravos”, ou melhor, no Cemitério dos Escravizados, localizado na Comunidade Rural dos Fechos, ao lado da Comunidade Quilombola dos Pinhões, município de Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), MG. A missa foi organizada pela Pastoral Afro e presidida pelo padre João Lucena, da paróquia São Raimundo Nonato, distrito de São Benedito, Santa Luzia, e por Frei Gilvander Luís Moreira, da Comissão Pastoral da Terra (CPT/MG).


Durante a Missa Afro, que ocorre há decênios em reverência e memória dos ancestrais do povo negro escravizado, quilombola da região, ali enterrados, foi denunciado o megaprojeto devastador do Rodoanel, mais conhecido como “Rodominério”, que vai rasgar e devastar brutalmente territórios tradicionais, milhares de moradias, fontes de água, campos sagrados, entre outras benfeitorias no município de Santa Luzia e em outros 12 municípios da RMBH.

O projeto do Rodoanel do Governador Zema, em “parceria” com a mineradora Vale S/A, é composto por quatro alças - Sul, Sudoeste, Oeste e Norte - e indica que no Vetor Norte vai destruir e descaracterizar o território místico em que se encontram o Cemitério dos Escravos, o Córrego do Cachimbeiro, o Cruzeiro do Cantanhão e a Comunidade Quilombola de Pinhões, área da antiga sesmaria de Bicas. Esta destruição seria uma grande tragédia socioambiental, cultural, histórica, simbólica e religiosa para o estado de Minas Gerais, em especial para a memória e a resistência do povo preto e quilombola. O Cemitério dos Escravos é um importante campo sagrado, sítio arqueológico e histórico, tombado em nível municipal em 2008, categoria de patrimônio material e imaterial, composto por construção vernacular em alvenaria de pedra seca, cuja obra remonta do início do século XIX. É fundamental, inclusive, que a referida Missa Afro seja reconhecida também como patrimônio imaterial.



O traçado oficial do Rodoanel, divulgado pelo governo de Minas Gerais proposto, e suas “alternativas” (muitas delas apresentadas por entidades ditas “ambientalistas” de forma oportunista e superficial), demonstram reiterado desconhecimento e irresponsabilidade para com os territórios e bens ambientais, culturais e socioeducativos da RMBH, em especial por parte da Secretaria de Infraestrutura e Mobilidade (SEINFRA), indicando forte crise de governança, falta de transparência, evidente inconsistência técnica e péssima gestão dos recursos patrimoniais e hídricos, além de ser regado por um processo de licenciamento ambiental conturbado e repleto de sequelas normativas e legais inaceitáveis, a começar pela ausência de participação e consulta popular de forma eficaz, bem como ausência de consulta prévia, livre e informada (CPLI) aos povos e comunidades tradicionais, como prevista na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).



Visando denunciar o famigerado projeto do Rodoanel e o terrorismo socioambiental que se instalou por seus “defensores” na RMBH, após a Missa Afro tradicional, houve um grande ato denominado “Abraço Coletivo ao Cemitério dos Escravos", com muitas faixas, panfletos e bandeirolas, denunciando o RODOANEL. Perguntou-se: “A quem interessaria este projeto? Ao povo que não é”. Serão geradas pelo governo do estado de Minas Gerais, com esta obra na RMBH, milhares de famílias atingidas pelo Rodoanel, população já assolada pelas tragédias causadas pelo rompimento das barragens de mineradoras que destruíram a Bacia do Rio Doce e do Rio Paraopeba, além de precipitar o risco já iminente de colapso hídrico e de carência por moradia, destruindo ainda áreas periurbanas e do cinturão verde, voltadas tradicionalmente para a agricultura familiar e produção de alimentos, o que causará fatalmente insegurança alimentar em todo o colar metropolitano.



Além de inúmeros moradores de Santa Luzia e dos representantes das comunidades tradicionais Quilombolas de Pinhões, Manzo Ngunzo Kaingo e indígena (etnia Pataxó, moradora no bairro Bonanza), várias entidades, associações, coletivos e movimentos ambientalistas de toda a RMBH compareceram à Missa Afro e ao “Ato Abraço Coletivo ao Cemitério dos Escravos”, entre eles, Movimento Salve Santa Luzia, S.O.S Santa Luzia, Pastoral Afro de Santa Luzia, Comissão Pastoral da Terra (CPT/MG), Movimento Negro Unificado (MNU/MG), Federação Quilombola de Minas Gerais-N´Golo, Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva (CEDEFES), Movimento Serra Sempre Viva, SOS Vargem das Flores, Observatório da Evangelização da PUC/MG, Paróquia São Raimundo Nonato, Movimento Todos Contra o Rodoanel, Diretório Municipal do PT de Santa Luzia, Diretório Municipal do PSOL de Santa Luzia, Jornal Brasil de Fato, Site Luzias etc.



Nos últimos meses, várias manifestações, atividades e atos públicos vêm sendo realizados continuamente em toda a RMBH com o objetivo de denunciar o Rodoanel, megaprojeto devastador: notas, manifestos, artigos, panfletagem, faixas, lives (veja canal youtube frei Gilvander), aulão, vídeos, rodas de conversa, carro de som denunciando nas ruas dos bairros, carreatas, reuniões virtuais e presenciais, entre outros.



Na Missa Afro e no Abraço Coletivo ao Cemitério dos Escravos foram proferidas falas e manifestações que reiteraram e ecoaram alto que o projeto do Rodoanel não será aceito em nenhuma hipótese, pois todo e qualquer trajeto/traçado será brutalmente devastador e injusto socialmente. O Rodoanel não será uma rodovia pública, mas “privada”, com o pedágio mais caro do Brasil: acima de 35 centavos por KM, totalizando mais de R$70,00 de pedágio para ir e voltar, passando por esse famigerado Rodoanel. Quem poderá pagar acima de R$70,00 por dia durante toda a semana para ir trabalhar e voltar? Assim, o rodoanel é obra tecnocida, ecocida e de cunho racista ambiental, onde deverão circular os grandes caminhões de escoamento de produtos da mineração, do agronegócio e industriais, por isso a denominação “Rodominério”, incentivando a ampliação e a instalação de empreendimentos danosos à RMBH.



O Rodoanel não resolverá em nada os problemas de mobilidade em BH e na RMBH, pois o que precisa, respeitando os acordos climáticos e as normas internacionais para o bem viver nas cidades, é incentivar projetos comprometidos com a baixa emissão de carbono e não investimento em novas rodovias voltadas para o tráfego de caminhões e veículos pesados. Os problemas de mobilidade urbana em BH e RMBH podem ser equacionados com: 1) Ampliação do metrô para várias cidades da RMBH; 2) Resgate do transporte de passageiros através de trens, o que existia entre as 34 cidades das RMBH com BH; 3) Melhoria no transporte público por meio de ônibus.  



O megaprojeto do rodoanel, portanto, vai na contramão das orientações internacionais de cunho socioambientais e urbanísticos para as cidades e, concretizado, funcionará  como uma grande muralha na RMBH, desalojando moradores, escolas, apartando inúmeras comunidades e bairros, mutilando territórios tradicionais, sítios históricos, áreas da agricultura familiar, áreas verdes, bichos, plantas, nascentes, aquíferos e unidades de conservação ao longo dos seus mais de 100 km de extensão.   

A organização popular está a cada dia se fortalecendo contra mais esta aberração e desrespeito ao povo, aos viventes, às terras e às águas de Minas Gerais. “Olhem bem as montanhas” e valorizem as águas que delas emanam...

FORA, RODOANEL! FORA, RODOMINÉRIO!

Santa Luzia, 03 de novembro de 2021.




[1] Professor de Sociologia, doutorando em Ciências Sociais pela PUC Minas, colaborador jovem do Observatório da Evangelização da PUC Minas, morador de Santa Luzia e membro do movimento das comunidades quilombolas de Santa Luzia e região impactadas pelo Rodoanel e do coletivo Salve Santa Luzia. E-mail: galduraes@gmail.com

[2] Doutora em Arqueologia pelo MAE/USP; Pós-Doutorado Antropologia e Arqueologia-FAFICH/UFMG; Historiadora e Membro do CEDEFES, do Movimento Serra Sempre Viva, do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios-ICOMOS/Brasil. E-mail: alenicebaeta@yahoo.com.br

 

[3] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III

 

[4] Advogado popular e integrante do Movimento Serra Sempre Viva, de Ibirité, MG. E-mail: henriquelazarottioliveira@gmail.com - Os autores e autora deste artigo integram o Movimento Todos Contra o Rodoanel na RMBH.

Riqueza e luxo à custa de trabalho alheio? Por Frei Gilvander

 Riqueza e luxo à custa de trabalho alheio? Por Frei Gilvander Moreira[1]

Em contexto de superexploração da dignidade humana dos/as trabalhadores/as e dos camponeses e camponesas, não podemos abrir mão da utopia que é conquistar emancipação humana. Parece à primeira vista impossível, mas é possível, urgente e necessário, antes que a barbárie que o capitalismo e todos seus agentes e vassalos reproduzem cotidianamente levem à dizimação da humanidade por mudanças climáticas causadas pela destruição das condições materiais objetivas que garantam a vida dos humanos e de todos os seres vivos da biodiversidade. Refletindo sobre a emancipação humana, que precisa acontecer, Marx afirma na Crítica do programa de Gotha: “Quando tiver sido eliminada a subordinação escravizadora dos indivíduos à divisão do trabalho e, com ela, a oposição entre trabalho intelectual e manual; quando o trabalho tiver deixado de ser mero meio de vida e tiver se tornado a primeira necessidade vital; quando, juntamente com o desenvolvimento multifacetado dos indivíduos, suas forças produtivas também tiverem crescido e todas as fontes da riqueza coletiva jorrarem em abundância, apenas então o estreito horizonte jurídico burguês poderá ser plenamente superado e a sociedade poderá escrever em sua bandeira: “De cada um segundo suas capacidades, a cada um segundo suas necessidades!” (MARX, 2012, p. 33).

Ao tecer críticas ferrenhas ao programa de coalizão de dois partidos operários socialistas alemães, em 1875, tal como, programa “absolutamente nefasto e desmoralizador para o partido” (MARX, 2012, p. 22), Marx enfatiza a dimensão ecológica ao afirmar a natureza como a fonte primeira de toda riqueza, conditio sine qua non para o ser humano, através do trabalho gerar riqueza. “O trabalho não é a fonte de toda riqueza. A natureza é a fonte dos valores de uso (e é em tais valores que consiste propriamente a riqueza material!), tanto quanto o é o trabalho, que é apenas a exteriorização de uma força natural, da força de trabalho humana” (MARX, 2012, p. 24).

Em sintonia com o que advoga o apóstolo Paulo, na Bíblia, na carta aos tessalonicenses – “Quem não quer trabalhar também não há de comer” (2 Tessalonicenses 3,10) -, Marx pondera que a emancipação humana passa necessariamente pela não apropriação de riqueza enquanto fruto de trabalho alheio. “Porque o trabalho é a fonte de toda a riqueza, ninguém na sociedade pode apropriar riqueza que não seja fruto do trabalho. Se, portanto, ele mesmo não trabalha, então vive do trabalho alheio e apropria sua cultura também à custa do trabalho alheio” (MARX, 2012, p. 25). Exceção óbvia às pessoas impossibilitadas de trabalhar por motivo de doença, deficiência ou por estar com idade avançada. A esses também segundo suas necessidades e segundo sua história de trabalho e/ou de alguma forma gerando sociabilidade justa. “O fruto do trabalho pertence inteiramente, com igual direito, a todos os membros da sociedade” (MARX, 2012, p. 28).

Os frutos do trabalho - o trabalho social integral - devem ser distribuídos a todos, com igual direito, após deduzir os recursos para a substituição dos meios de produção consumidos, a parte adicional para a expansão da produção, um fundo de reserva ou segurança contra acidentes, prejuízos causados por fenômenos naturais etc. Após essas deduções, a parte restante do produto total deve ser destinada ao consumo, sem esquecer o que serve à satisfação das necessidades coletivas, como escolas, serviços de saúde, etc. (Cf. MARX, 2012, p. 29). “É a ‘classe trabalhadora’ que tem de libertar – o quê? – ‘o trabalho’” (MARX, 2012, p. 34).

Se “a burguesia se desenvolveu dentro da ordem feudal, mas fora do eixo central da relação senhores feudais/servos dos quais a classe dominante extraía sua fonte principal de riqueza” (IASI, 2011, p. 97) – concordamos que provavelmente foi assim que se deu historicamente -, é provável que a classe revolucionária que guiará o processo de emancipação humana para uma sociedade para além do capitalismo e do capital, não será composta pelo proletariado, classe presa à própria relação fundamental do capital/trabalho - proprietários dos meios de produção/trabalhadores assalariados -, mas poderá ser a classe camponesa - o campesinato na sua imensa pluralidade de expressões - e todas as trabalhadoras e todos os trabalhadores que sobrevivem injustiçados à margem do eixo central do sistema do capital: indígenas, quilombolas, sem-teto e todos os injustiçados por motivos de gênero, etnia, orientação sexual etc.

A forma como a sociedade em geral e a classe dominante, em particular, veem os Movimentos Populares, condiciona, pelo menos em parte, como os Movimentos Populares se veem. Parafraseando Arroyo, podemos dizer: para o êxito dos Movimentos Populares do campo e da cidade é imprescindível reconhecer a centralidade e a força matriz da luta pela terra, pelo território, com todas suas raízes culturais e religiosas. A terra, ao longo da história, tem sido âncora de sustentação dos movimentos de luta por emancipação. O trabalho coletivo da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) irradia a centralidade da luta pela terra, que é disputada pelo poder do capital. Enquanto perdurar o cativeiro da terra na brutal injustiça agrária pautada no latifúndio, que viabiliza o agronegócio com uso indiscriminado de agrotóxicos, em latifúndios de monoculturas e muitas vezes com trabalho análogo à situação de escravidão, o trabalho alheio continuará sendo sugado para o enriquecimento da classe dominante.

Enfim, urge superarmos a lógica e as relações sociais que promovem riqueza e luxo para uma minoria à custa do trabalho alheio, ou seja, os/as trabalhadores/as trabalhando e produzindo não para si mesmos, mas para os patrões. Isto é a negação da utopia bíblica de “novos céus e nova terra” profetizada pelos discípulos e discípulas do grande profeta Isaías ao bradar: “Construirão casas e nelas habitarão, plantarão vinhas e comerão seus frutos. Ninguém construirá para outro morar, ninguém plantará para outro comer, porque a vida do meu povo será longa como a das árvores, meus escolhidos poderão gastar o que suas mãos fabricarem ...” (Isaías 65,21-22). Que tenhamos a graça e a fibra de seguirmos lutando para a construção desta utopia: uma sociedade com pessoas livres, sem opressões, sem explorados e sem exploradores, respeitando os direitos da natureza, inclusive.

04/11/2021

Referências

IASI, Mauro Luis. Ensaios sobre consciência e emancipação. 2ª edição. São Paulo: Expressão Popular, 2011.

MARX, Karl. Crítica ao Programa de Gotha. São Paulo: Boitempo, 2012.

 

Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.

1 - Frei Carlos Mesters, Paulo Freire da Bíblia - Por frei Gilvander - 1º/11/2021

2 - Mineradora Vale S/A insiste em obter Licenciamento para devastar a Serra da Gandarela tb. Por Teca

3 - Plano Urbanístico da Ocupação Cidade de Deus de Sete Lagoas, MG: UMA MARAVILHA! Vídeo 3 - 29/09/2021

4 - "Absurdo fábrica de cerveja Heineken em Pedro Leopoldo/MG, no Sítio Arqueológico da Luzia" (Alenice)

5 - Chaves de leitura do livro de Josué: Partilha da terra - Mês da Bíblia 2022. Por Ildo Bohn e CEBI/MG

6 - Noite Cultural 34ª Romaria de Canudos, BA: Viva Antônio Conselheiro e as lutas populares! - 23/10/21



 



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III