quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Nota técnica da ASF - Arquitetos Sem Fronteiras Brasil – contra os despejos das Ocupações-comunidades da Izidora, em Belo Horizonte e Santa Luzia, MG.


Nota técnica da ASF - Arquitetos Sem Fronteiras Brasil – contra os despejos das Ocupações-comunidades da Izidora, em Belo Horizonte e Santa Luzia, MG.


À Prefeita de Santa Luzia, MG, Roseli Pimentel
A seus/as secretárias/os e procurador.

Argumentos contra o despejo das Ocupações-comunidades da  Izidora:
1)   O fato é em si inominável: jogar no chão cerca de 5000 casas, expulsar cerca de 8000 famílias.

2)   Ao autoproduzir o espaço, os moradores das ocupações da Izidora mostram-nos que, para sobreviver, não podem depender nem da produção imobiliária formal nem daquela de iniciativa estatal, ambas inacessíveis - a eles e a muitos outros, sem casa, isto é, a única solução para a sua moradia é, nas circunstâncias, de fato a que autoproduziram: não fosse assim, não haveria ocupações urbanas.

3)    De 2013 a 2016 os moradores da Izidora construíram sozinhos, com seus próprios recursos e esforços, mais unidades habitacionais do que duas gestões sucessivas da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, com verbas federais.  Não há garantia, portanto, a despeito do que se possa argumentar, de que o poder público tenha a capacidade de dar solução para a moradia daquelas pessoas, uma vez despejadas.

4)   Despejos forçados no Brasil, além de violentos em si, a despeito de medidas chamadas humanitárias, resultam em mais pessoas sem-casa, na piora e não na melhoria das condições de moradia e de vida dos despejados.   


5)   Os impactos do despejo forçado daquelas milhares de famílias serão sentidos nos municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte.  Os moradores despejados irão buscar moradia nas regiões próximas, onde o aluguel é mais barato ou onde há áreas vazias ou subutilizadas. Assim, trata-se, apenas de deslocar o problema, que apenas se agrava. O déficit habitacional da Região Metropolitana de Belo Horizonte e a pressão por habitação social aumentarão exponencialmente, com a constituição de periferias cada vez mais precárias e reprodutoras da exclusão social e econômica.

6)   Os parcos serviços públicos oferecidos na região, densamente ocupada e insuficientemente servida, serão sobrecarregados com o aprofundamento das carências relativas à saúde, à assistência social, à educação, à segurança pública, com graves consequências associadas à violência urbana.


7)   Do ponto vista do campo da Arquitetura e do Urbanismo, a melhor solução para o caso Izidora seria manter ali aquelas famílias, qualificando-se o seu espaço, por que:

- toda demolição de edificações é insustentável; implica no desperdício tanto dos recursos materiais e energéticos consumidos para a sua construção, quanto do próprio processo de transformação do território para a sua inserção, isto é, a demolição de casas, equipamentos comunitários, ruas e largos, independente do seu padrão, representa um enorme prejuízo ambiental, enquanto sua qualificação representa um ganho, na medida em que todos – moradores da metrópole e do planeta- nos beneficiamos do aproveitamento dos recursos ali já empregados;

- as ocupações Esperança, Rosa Leão e Vitória, dadas as suas organizações socioespaciais, não se distinguem do que denominamos bairros, exceto pelo seu não reconhecimento pelo Estado;

- o espaço autoproduzido, como o é o das ocupações urbanas, guarda, ao contrário do que se possa pensar, um enorme potencial de recuperação ambiental, diferente do espaço da chamada cidade formal, onde a urbanização completa dá-se segundo um modelo de saneamento que conduz à degradação ambiental: do solo, da água, do ar, com alta geração de resíduos e prejuízos à vida;

- existem políticas públicas urbanas e habitacionais para reconhecer, qualificar e consolidar ocupações como áreas de interesse social (vide a Política Municipal de Habitação de Belo Horizonte).

8)   A noção função social da propriedade, trazida na Constituição Brasileira de 1988 e regulamentada na Lei Federal Estatuto da Cidade, é reconhecida e legitimada pelos planos diretores dos municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte. A manutenção de áreas vazias ou subutilizadas na cidade é criminosa. Até agora, os moradores das ocupações estão dando utilidade àquele território, mantido vazio por cerca de 70 anos.
9)   A Operação Urbana Simplificada do Isidoro não é o instrumento adequado para a ocupação sustentável daquela região, a maior e última extensão de área natural pouco transformada, em vetor de expansão e de adensamento urbanos, com alta vulnerabilidade social. Qualquer instrumento de política urbana para aquela região deve considerar a sua cabal realidade, e envolver todos os agentes interessados e afetados, entre os quais a Prefeitura Municipal de Santa Luzia, até agora alijada da negociação em curso. O modelo de transformação do território colocado pelo empreendimento e expresso no próprio licenciamento ambiental não condizem com os avanços do planejamento ambiental urbano, em especial a consideração da bacia hidrográfica como principal unidade de planejamento.

Documento da ASS – Arquitetos Sem Fronteiras Brasil, protocolado na Prefeitura de Santa Luzia na manhã do dia 05/10/2016.


Santa Luzia, MG, Brasil, 05 de outubro de 2016.

Nenhum comentário:

Postar um comentário