sábado, 17 de maio de 2014

Carta aberta em defesa dos Sem-casa de Barão de Cocais. BH, 17/05/2014.

Carta aberta em defesa dos Sem-casa de Barão de Cocais.

Uma pessoa sem casa é como um pássaro sem ninho: voa, voa, mas não tem onde se assentar”, disse uma mãe, com lágrimas nos olhos, na ex-favela Massari, em São Paulo, SP.

Eu, frei Gilvander Luís Moreira, assessor da Comissão Pastoral da Terra (CPT), comovido e indignado com a violação dos direitos humanos das famílias sem-terra e sem-casa de Barão de Cocais, MG, venho em Carta Aberta defender os Sem-casa de Barão de Cocais.
Considerando duas notícias, além do que ouvi sobre injustiça que ocorrem em Barão de Cocais: 1ª) “Em outubro do ano passado (2013), agentes da Subsecretaria de Administração Prisional (Suapi), a mando da Prefeitura de Barão de Cocais, e armados com escopetas, estiveram no bairro para realizar a reintegração de posse do terreno, sem ordem judicial. Detentos seriam utilizados para fazer a retirada das famílias, mas a “operação” foi abortada após a reportagem do Diário de Barão chegar ao local.”;  e a 2ª) Reportagens do Diário de Barão, dos dias 8 e 8/05/2014 informando que Prefeito de Barão de Cocais, MG, Armando Verdolin (PSDB), conquistou liminar de reintegração de posse de área pública municipal ocupada por cerca mais de 100 famílias sem-terra e sem-casa. E que o juiz Felipe Alexandre Vieira deu 10 dias para o povo deixar o local, alertamos e ponderemos o que segue.
Em Belo Horizonte,  um juiz autorizou despejar 175 famílias das Torres Gêmeas com a condição de que a Prefeitura de BH oferecesse bolsa moradia às famílias e dentro de 1 ano reassentasse todas as famílias. Já se passaram 3 anos e nem uma família foi reassentada. Pior: 70% das famílias só conseguiram alugar uma casinha ou barraco na periferia da região metropolitana. Moral da história: o povo foi expulso de BH e está sobrevivendo nas periferias da região metropolitana. Esse exemplo me diz que dificilmente o prefeito de Barão de Cocais construirá casas para as famílias dentro de 1 ano. Ou seja, é muito grande o risco da determinação judicial de entregar casas para as famílias dentro de um ano não ser cumprida. Outro exemplo: O juiz federal, Dr. Francisco Alves, de Pernambuco, só autoriza reintegração de posse com reassentamento prévio, o que é alternativa digna. Enviar para abrigo público ou oferecer bolsa moradia não é alternativa digna.
A Defensoria Pública de MG (DPE/MG) e o Ministério Público de MG (MPE) já estão atuando no processo na defesa das famílias da Ocupação do Garcia? Pode-se e deve-se entrar com Ação Civil Pública (ACP) em defesa das famílias. Não podemos admitir despejo sem alternativa digna, que é, reafirmo, reassentamento prévio. Assim está acontecendo no Rio Grande do Sul e em Pernambuco. Não podemos admitir despejo antes do TJMG julgar Agravo de Instrumento impetrado por advogados da Ocupação, ou pela Defensoria Público ou pelo MP. Despejar apenas com Liminar, que é algo precário, é injustiça. Deve-se esperar a decisão colegiada no TJMG, pois um Agravo em 2ª instância, no TJMG, ou uma ACP pode derrubar uma liminar.
Em uma Audiência Pública na Comissão de Direitos Humanos, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, uma senhora de uma Ocupação urbana, ameaçada de despejo, no microfone, gritou: “Queremos moradia e não apenas o direito à moradia.” Esse grito nos faz pensar. Políticas habitacionais populares estão quase somente em discursos e vãs promessas. Direitos fundamentais, como o de morar com dignidade, vêm sendo há muito tempo violados.
O povo, sem-terra e sem-casa, não tolera mais sobreviver sob a cruz do aluguel, que é veneno diário no seu prato. O povo não aguenta mais a cruz da humilhação que é sobreviver de favor: peso nas costas de parentes, chateação cotidiana e perda de liberdade. Muitos conservadores ainda criticam a promiscuidade com que vivem muitas famílias. Ora, como não expor crianças às cenas íntimas ou indesejáveis que ocorrem nas casas se o espaço de convivência é totalmente inadequado?
Três fatores, dentre outros, estão movendo os oprimidos para a luta, para ocupações de terrenos abandonados:
a) A necessidade, melhor dizendo, a injustiça social e com ela o imenso déficit habitacional que campeia. O velho capitalismo, que com o neoliberalismo, acentuou ainda mais a concentração de riquezas em poucas mãos e esfola sem piedade a classe trabalhadora. O empobrecimento dos/as trabalhadores/ras está se acelerando de forma vertiginosa. Salários e condições análogas à de escravidão é o que mais se vê no mundo do capital atualmente. Muitos jovens hoje sequer terão a oportunidade de exercer atividade bem remunerada e estável. Terão de se sujeitar aos call centers ou aos trabalhos temporários nos grandes empreendimentos;
b) As jornadas das manifestações populares de junho de 2013 inocularam um bom colírio nos olhos de muita gente que está acordando para a necessidade e justeza das lutas coletivas. O descrédito na política partidária e a precariedade na prestação dos serviços públicos legitimaram diversos gritos nas ruas;
c) O exemplo positivo, em Belo Horizonte, da Ocupação-comunidade Dandara – e de outras ocupações exitosas. Muita gente oprimida está dizendo assim: “Se o povo da Dandara está conquistando mil casas e vários outros direitos, nós também podemos conquistar. Por isso vamos para a luta coletiva.”
Se a Constituição brasileira de 1988 for respeitada, nenhuma reintegração de posse em ocupações coletivas pode ser feita. Se fossem mesmo levados a sério os direitos humanos fundamentais nenhuma reintegração de posse poderia ser feita nas ocupações coletivas, porque fere de morte o direito à dignidade da pessoa humana, o direito à alimentação e à moradia. Afrontam, violentamente, tais decisões contra a democracia, os direitos das crianças, dos idosos, dos deficientes. Todos estes que recebem, por força da própria Constituição, ainda que formalmente, a proteção do Estado e da sociedade. As desocupações somente seriam aceitáveis se fossem realocações decididas pela via do diálogo e conforme critérios éticos, assegurando-se às pessoas o respeito aos seus direitos constitucionais, o que exige alternativa digna para o bem não apenas daquelas pessoas, mas de toda a sociedade. Afinal, o direito à moradia não é um direito social?
A experiência tem mostrado como o despejo e as reintegrações nas ações coletivas jamais podem ser a solução justa para esse grave problema social que envolve milhões de famílias sem-terra e sem-casa hoje no Brasil. Despejo só piora o problema social. Acirra os ânimos, cria as condições indesejáveis dos massacres, o que é abominável e marca de forma indelével as vítimas.
A solução justa para superar de forma justa esses conflitos sociais passa necessariamente por Política – não por polícia -, por diálogo, por negociação, por política de habitação séria, popular e massiva, com participação popular. Jamais polícia – repressão – irá resolver de forma justa o problema que as ocupações urbanas e rurais trazem à tona. O direito aplicável deve ter como premissa a justiça e não a exacerbação da violência.
Na véspera da COPA despejo é inadmissível. O povo deve aumentar sua organização, buscar apoio e seguir lutando de forma coletiva pelos seus direitos. Aos que alegam ter joio no meio do trigo, digo: deixem crescer juntos, pois não hora da colheita, quando o poder público de fato resolver atuar em favor dos oprimidos, o trigo se salvará e o joio será queimado.
Contem com a força e luz divina do Deus da Vida, com nosso apoio e de muitas pessoas de boa vontade. Abraço terno. Frei Gilvander Moreira, www.freigilvander.blogspot.com.br , ou www.gilvander.org.br
Belo Horizonte, MG, 15 de maio de 2014.


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